Por Sandra T. Baumel Durazzo | 28 de março de 2023
A organização dos estudantes em salas, grupos de trabalho e outros agrupamentos é um dos muitos desafios enfrentados e discutidos nas escolas. Quando se fala em aulas de idiomas, especialmente aulas de inglês, existe um senso comum de que os estudantes precisam estar agrupados por “nível” de inglês. As aspas são intencionais uma vez que logo trazem uma série de perguntas: O que se entende por nível de inglês? Como se mede? Há quantidade de turmas disponíveis em número igual à quantidade de níveis existentes no grupo de estudantes? Esta divisão realmente favorece o aprendizado de todas e todos?
A lista de argumentos contra a divisão por níveis, tantas vezes pregada como vantagem por cursos de inglês, começa ao se tentar responder estas perguntas. Certamente, os estudantes não serão divididos de fato de acordo com os seus níveis de proficiência, mas serão feitas aproximações, o que mantém a diferença entre saberes dentro do mesmo grupo, e o avanço dos alunos deste grupo inicial será certamente diverso, o que tornaria o sub grupo heterogêneo de qualquer forma.
Mesmo quando se busca apenas a redução das diferenças no domínio do idioma, as divisões deixam de considerar as diferenças decorrentes de experiências pessoais, autoimagem dos estudantes, conhecimento de culturas diferentes e tantas outras capacidades que compõem a competência comunicativa do sujeito.
Aprender é uma ação essencialmente social em todas as áreas do conhecimento, e ganha forte destaque na área de linguagens. O usuário de um idioma enfrenta situações de comunicação e ativa seus saberes para dar conta delas com eficácia. Estes saberes são, sempre, de naturezas diversas. Se na turma há estudantes com saberes diferentes: uns com mais facilidade para se expressar oralmente, outros com boas estratégias de revisão de seus textos, outros com amplo repertório literário, outros ainda com capacidade de organização e liderança, as situações de aprendizagem propostas serão enriquecidas por meio da interação entre eles e elas, favorecendo o aprendizado de todos.
Talvez um dos mais importantes argumentos a favor de turmas heterogêneas é que os alunos e alunas classificados como qualquer coisa menos do que o “máximo” aprendem menos do que poderiam. Isso acontece porque eles e elas já começam com menor expectativa de suas próprias capacidades e, em geral, esperam tarefas mais fáceis que demandam menos esforço. Da mesma forma, os professores podem oferecer menos desafios, adaptando situações para que seus alunos “fracos” deem conta e aceitando baixos desempenhos. Isso vale tanto para cursos de línguas como para salas classificadas por rankings de desempenho. Há um termo, cunhado pelo sociólogo Robert Merton em 1949, profecia autorrealizável, que explica como a previsão de que algo negativo acontecerá influencia as ações dos envolvidos e acaba fazendo com que o prognóstico se realize. O mesmo vale para resultados positivos. Em 1968, Robert Rosenthal e Lenore Jacobsen realizaram um experimento em uma escola pública. Eles disseram aos professores que determinados alunos e alunas (selecionados aleatoriamente) teriam grande aumento de performance. Os estudantes não sabiam de nada. Ao final do período da análise, constatou-se que a alta expectativa dos professores afetou positivamente as notas dos alunos indicados. Ao mesmo tempo, os estudantes, estimulados pelos professores, passaram a acreditar que eram mesmo geniais e, assim, colheram ótimos resultados.
A diversidade está presente em todas as áreas na escola e, na medida em que os estudantes avançam na escolaridade, a dificuldade em lidar com estas diferenças parece preocupar mais os educadores. Delia Lerner, em seu artigo Enseñar en la Diversidad (2007), define o desafio como a necessidade de criar condições para que todas as pessoas singulares de um grupo, cada uma trazendo diferentes bagagens culturais, familiares e pessoais, possam efetivamente aprender. E ela segue descrevendo condições didáticas que fazem da diversidade não mais um desafio, mas uma vantagem pedagógica: compartilhar o poder linguístico e a responsabilidade pela aprendizagem; considerar que o tempo de aprendizagem não é o mesmo que o tempo do ensino; propor diferentes agrupamentos e interações entre os aprendizes; ter clareza e explicitar os conhecimentos elaborados pelo grupo e considerar todas as diversidades próprias do objeto de conhecimento.
A resposta, portanto, não está em buscar homogeneidade mas sim em propor situações de aprendizagem focadas no desenvolvimento de competências, de forma a permitir que cada estudante receba apoios ou desafios de acordo com seu percurso individual para desenvolver aquelas competências. Por exemplo, na área de língua estrangeiras, se o objetivo é que os estudantes desenvolvam a capacidade de fazer uma apresentação oral sobre um tema a partir de informações obtidas em fontes diversas, um aluno com menos experiência pode receber fontes que contam com mais recursos não verbais como gráficos, imagens e símbolos, atividades que ajudam a ampliar o repertório lexical e propor que elabore sua apresentação como uma sequência de frases simples e canônicas ensaiadas. Já um estudante com mais experiência, pode ter o desafio de apresentar ao grupo as informações de uma fonte oral (uma entrevista com um especialista, por exemplo), para que os colegas também possam usar essas informações em suas apresentações. Também pode ter o desafio de realizar a apresentação apresentando um contraponto à ideia principal do tema, ou uma nova pesquisa da área, etc. No final, com ajuda ou desafio a mais, todos desenvolvem as mesmas capacidades linguísticas, cada um a partir de onde partiu.
A interação com os diferentes é uma vantagem formativa em todas as áreas. Cada estudante, ao interagir com colegas que tenham saberes diferentes, aprenderá um tanto do saber do outro, e terá seu próprio saber consolidado ao verbalizá-lo, numa ótima oportunidade de meta cognição, desde que sejam criadas as condições didáticas para tanto!
A organização curricular orientada para o desenvolvimento de competências é valorizada no processo de aprendizagem por promover o desenvolvimento de competências essenciais como pensamento crítico e resolução de problemas. Uma escola que pretende formar cidadãos prontos para enfrentar os desafios da vida, deve considerar a diversidade como parte essencial e enriquecedora dessa formação e, claro, como premissa para o ensino de línguas!
Sandra T. Baumel Durazzo
Internacionalização e Idiomas da Bahema Educação
Texto publicado originalmente no blog do CFVila