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O PLE: em busca de uma formação científica mais ampla

Escrito por Grupo Balão Vermelho | 15/09/2021

Por Carlos Eduardo Mendes - Professor de Física do Ensino Fundamental II e Médio  |  16 de setembro de 2021

 

 

Permitam-me, caros leitores, começar esse texto sobre educação contemporânea e o papel da escola na sociedade por uma afirmação de Carl Sagan (cientista, divulgador da ciência e ativista estadunidense): “Nossa sociedade depende intensamente de ciência e tecnologia, mas pouquíssimas pessoas entendem realmente algo sobre ciência e tecnologia”.

Essa afirmação não se refere somente aos produtos do conhecimento científico, como a nova corrida espacial, o uso de robôs e de inteligências artificiais ou a elaboração de vacinas em intervalos de tempo cada vez mais curtos. Para Sagan, “o método da ciência é muito mais importante do que as descobertas dela”. E, de fato, poucas pessoas compreendem o chamado “método científico” (é bem verdade que não há um único método científico, mas vários). Há, além disso, outros fatores que contribuem para a “tempestade perfeita”. A dificuldade de comunicação existente entre a comunidade científica e a sociedade é um desses fatores. Outro fator importante é o desejo deliberado de alguns membros de nossa sociedade pela desinformação. A “tempestade perfeita”  todos conhecemos: fake news, negacionistas e retrocessos em geral.

Nesse contexto, qual é o papel da escola? A resposta é simples e um pouco óbvia: se a escola assumisse a tarefa de ensinar o “método científico”, estaríamos eliminando, pela raiz, todos esses problemas. Afinal, não são somente os cientistas que devem pensar como cientistas. Se o mais importante é o “método”, advogados, artistas, engenheiros, linguistas, matemáticos, médicos, políticos, dentre outras profissões advindas da educação formal, também deveriam pensar como cientistas, certo? No entanto, os leitores concordarão que a própria existência da “tempestade perfeita” é uma evidência de que “algo” na educação científica oferecida pelas escolas não está funcionando.

Este texto não objetiva elencar o “algo” que não está funcionando na educação científica. Alternativamente, os leitores encontrarão, a seguir, a descrição de uma prática pedagógica adotada pelo Colégio Mangabeiras, escola particular e construtivista em Belo Horizonte, que faz parte do Grupo Balão Vermelho. Nomeada como Projeto de Livre Escolha (PLE), a prática tem como objetivo promover uma formação científica mais ampla aos estudantes do Ensino Fundamental II, já que são eles que escolhem os temas de seus projetos de pesquisa, elaborando suas perguntas e hipóteses sobre o objeto de estudo. 

O PLE é, antes de tudo, um projeto de iniciação científica. Uma oportunidade para que os estudantes entrem em contato com o “método científico”, ou mais precisamente, com os métodos científicos. Explica-se: quais temas despertam os interesses de estudantes de 10 a 15 anos? Diversos! Infinitos, se os leitores me permitem o exagero. Há os estudantes mais voltados para os produtos do conhecimento científico (espaço, robôs e vacinas), há os estudantes mais preocupados com as questões sociais, há os artistas, os fãs de cultura POP ou de outras culturas, enfim: os diversos interesses exigem não um único “método” de abordagem, mas o conjunto de todos os métodos de pesquisa que a ciência conhece.

Assim, após os estudantes escolherem os temas de seus projetos de pesquisa, os professores se transformam em orientadores dessas pesquisas, segundo suas áreas de atuação e também suas afinidades com os temas. E é nessa parceria entre estudantes e professores-orientadores que se dá o contato dos estudantes com os métodos científicos, aos moldes do que ocorre numa iniciação científica do Ensino Superior, ou mesmo num mestrado ou doutorado. Os professores-orientadores guiam os estudantes nas etapas dos métodos científicos por um trimestre, num extenso trabalho de problematização e investigação dos temas escolhidos.

A problematização se dá quando os professores-orientadores buscam conscientizar os estudantes dos fatos conhecidos e, principalmente, dos fatos desconhecidos de seus temas. Essa busca incessante sobre o que se sabe e o que não se sabe estimula uma investigação cada vez mais profunda, superando o clichê da “pesquisa escolar” pouco genuína e superficial. Além disso, o intenso devir desse processo de pesquisa potencializa o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, pois o trabalho de orientação desempenhado pelos professores não limita suas escolhas vinculadas às pesquisas (pelo contrário, as estimula).

Os métodos científicos permitem, quando muito, uma aproximação lenta e gradual da “realidade”. Mas há sempre algo que não sabemos ou que não exploramos em todos os aspectos. E é com isso em mente que, ao final de um trimestre, os estudantes apresentam para a comunidade escolar os resultados de suas pesquisas. No entanto, o dia das apresentações dos projetos é a culminância de um complexo e extenso processo e não deve ser confundido com o “objetivo último” do PLE. Até mesmo o texto final, a elaboração por escrito de todo o “caminho” da pesquisa (o produto mais genuíno de todo o trabalho dos estudantes, sem dúvida), não deve ser confundido com um “objetivo último”.

Na verdade, não há “objetivo último”. No PLE, há um intenso processo de escolha, orientação, problematização, investigação, sistematização, conclusão e desenvolvimento da autonomia que tem se mostrado capaz de contribuir fortemente para uma educação científica mais ampla, no sentido apontado por Sagan de que os métodos científicos são mais importantes que os produtos científicos.

 

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