Entrelaçamentos entre ler e falar: Como situações de leitura estimulam a oralidade?

Por Ana Luiza Ogando  |  10 de outubro de 2022

 

“…O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.”

(Manoel de Barros)




Nós humanos somos seres de linguagem. Falar é o que nos diferencia profundamente dos outros animais. Inscritos na cultura, aprendemos a expressar nossas emoções desde muito cedo. Segundo Lima (2001), a criança começa a aprender as práticas culturais e a utilizar os instrumentos que fazem parte de seu meio, aprende as línguas que são faladas pelas pessoas com as quais convive e domina as formas de comunicação humana privilegiadas em sua cultura.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - norteadora do desenvolvimento das práticas pedagógicas do Grupo Balão Vermelho, Escola Construtivista em Belo Horizonte e fonte de estudos dos professores em todos os segmentos - reconhece que a aprendizagem das características discursivas e das estratégias de fala e escuta ocorre por meio do uso, da interação com o outro. Assim, promovemos interações mediadas por diferentes linguagens: verbal (oral e escrita), corporal, visual, sonora e, contemporaneamente, digital. Nessas interações, estão interligados conhecimentos, atitudes e valores culturais, morais e éticos.

No presente artigo, darei destaque à linguagem oral e suas aprendizagens. De acordo com o Glossário do Ceale - UFMG, “oralidade não se restringe ao estudo da materialidade da fala, mas envolve, em contextos socioculturais específicos, a fala associada a seu ritmo, entonação, volume e entrelaçada as múltiplas linguagens, como a gestualidade, a mímica, a imagem e até a modalidade escrita da língua.”

O verbete “Oralidade”, escrito no Glossário pela professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco, Beth Marcuschi, ainda apresenta bons exemplos de gêneros da oralidade a serem vivenciados no contexto da alfabetização e dos anos iniciais da escolarização. São eles: 

  • Contação de histórias: quando as crianças são convidadas a (re)contar para os colegas histórias lidas ou ouvidas.
  • Debate regrado: ocasião em que os alunos são orientados a discutir algum tema polêmico do seu cotidiano.
  • Exposição oral: contexto no qual os aprendizes devem expor sobre determinados conteúdos. 

Outros bons exemplos para estimular a oralidade, vivenciados no cotidiano escolar do Balão, são a escuta e a simulação de leitura. Ao ouvir uma história, as crianças ampliam o vocabulário e entram em contato com a entonação do texto. Nos momentos de leitura, os professores alteram a voz a cada mudança de personagem, criam suspense e dão ritmo à história. 

Ter diferentes modelos de contadores de história ajuda ainda mais a construir esse repertório. Na Educação Infantil, temos a Misturinha, um projeto em que as crianças ouvem a cada semana uma história contada por um professor diferente. No Historiando, projeto do Ensino Fundamental, a mesma dinâmica acontece, mas as crianças maiores inscrevem-se na história que querem escutar.

Ao ouvir histórias, as crianças têm no adulto um modelo de leitor. Como afirma Maruny Curto (2000), “o sentido dessas leituras, o prazer que provocam nos alunos, a emoção que produzem, o bem-estar que experimentam na situação de leitura, o tom afetivo que cerca a situação de ler, etc. marcam, sem dúvida, a motivação das crianças para aprender a ler”.

Na Educação Infantil, as crianças vivem experiências de fazer de conta que estão lendo. Desde o Maternal, elas estão inseridas em ambientes alfabetizadores, ou seja, aqueles em que as pessoas fazem uso regular do ato de ler e escrever. Nesse sentido, estimulamos diariamente a meninada a manusear e se encantar com as ilustrações e diferentes projetos gráficos dos livros da biblioteca de sala e da Biblioteca da escola. Com o livro em mãos, as crianças usam um tom de voz específico, diferente do coloquial, para simular a leitura. Nesses momentos de manuseio, elas costumam inventar frases que são comuns nos  textos formais : “e então algo aconteceu”, com voz de suspense, diferenciando as vozes dos personagens e demonstrando preocupação com a entonação. As histórias cumulativas como “Bruxa, bruxa, venha à minha festa”, da Audrey Wood e “O Grande Rabanete”, de Tatiana Belinky, por exemplo, permitem que as crianças se apropriem do livro e falem quase todas as palavras do texto antes mesmo de aprender a lê-las propriamente. As histórias muito conhecidas pelas crianças também produzem o mesmo efeito. Na história “Cachinhos de Ouro”, fazem uma voz bem grossa para o papai urso, e uma bem fininha para o bebê urso.

As situações de escuta, simulação ou leitura propriamente, estimulam cada vez mais a oralidade à medida que os gêneros discursivos são apresentados às crianças: parlenda, receita, carta, notícia, rótulos, gibis, cardápio, reportagem, manual de instruções etc.. É por isso que, em nossa escola, proporcionamos momentos diversificados de aproximação dos textos com propostas ricas de sentido para as crianças.

 

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